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OPINIÃO – Administração Pública não pode condicionar pagamento por serviço a situação fiscal

Por Guilherme Zanchi

As empresas contratadas pela Administração Pública encontram em seus contratos a previsão de que a contraprestação pelos serviços prestados somente ocorrerá se a empresa comprovar a sua regularidade fiscal. Assim, os tomadores de serviços públicos exigem, para o pagamento dos serviços prestados, a comprovação de regularidade fiscal, consubstanciada nas certidões negativas de débitos com relação aos tributos federais, estaduais e municipais.

Tal exigência se mostra arbitrária, uma vez que não há autorização legal para tal hipótese de retenção dos valores devidos pelos órgãos públicos em relação ao pagamento de serviços que foram prestados.

Conforme será visto, há alguns anos essa discussão já existe no nosso Judiciário e poderia ter sido chancelada na nova Lei de Licitações. Contudo, o legislador parece ter esquecido de encerrar essa controvérsia, que — por ausência de previsão legal — sequer deveria ter se iniciado.

A Administração Pública diz que tal exigência encontra amparo na Lei de Licitações (nº 8.666/93), nos artigos 27, inciso IV, e 55, inciso XIII. Contudo, o artigo 27, inciso IV, prevê a regularidade fiscal do licitante como mera condição à habilitação no processo licitatório. Enquanto o artigo 55, inciso XIII, prevê como cláusula necessária do contrato “a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação”.

Reproduções semelhantes estão na chamada nova Lei de Licitações (nº 14.133/21), nos artigos 62, inciso III, e 92, inciso XVI.

Assim, de fácil percepção é que tanto a Lei de Licitações quanto a nova Lei de Licitações preveem a regularidade fiscal como mero requisito para a empresa se habilitar no processo de licitação, e a obrigação de que a empresa deve atender tal requisito durante a execução do contrato. Todavia, caso a empresa não consiga a sua regularidade fiscal ao longo da execução do contrato, não há qualquer previsão legal para que sejam retidos os valores devidos pelo órgão pela contraprestação do serviço.

E com o respeito aos posicionamentos contrários, assim não poderia deixar de ser. Tratar-se-ia de enriquecimento ilícito da Administração Pública, que se aproveitaria, por exemplo, de eventual crise financeira na empresa contratada para deixar de pagar os valores devidos pela contraprestação a um serviço prestado.

Como uma empresa, por exemplo, que só trabalha com licitações — e não são raros os casos — conseguiria se reerguer de uma crise financeira se os órgãos públicos utilizassem esse artifício para deixar de adimplir os seus contratos?

Além de representar enriquecimento ilícito sem causa por parte do poder público, implicaria afronta aos princípios norteadores da atividade administrativamente, como a moralidade e a legalidade. Como pode a Administração Pública reter valores sem que exista lei que assim estabeleça?

As leis de licitações, no plural, pois ambas estão vigentes, são claras. Eventual inadimplemento contratual, como a ausência de regularidade fiscal, não enseja a retenção de valores decorrentes da prestação do objeto licitado, razão pela qual vem reconhecendo a jurisprudência a ilegalidade da conduta.

E, mesmo com diversos julgados em favor das empresas licitantes, inclusive no Superior Tribunal de Justiça (AgInt no REsp 1.742.457/CE, relator ministro Francisco Falcão, 2ª Turma, julgado em 23/5/2019, DJe 7/6/2019), é comum ainda que os órgãos da Administração Pública exijam a comprovação de regularidade fiscal como requisito para o pagamento da contraprestação ao serviço.

Conquanto lícita a exigência de apresentação da certidão para fase de habilitação, sua ausência posterior não autoriza que os contratantes da Administração Pública retenham valores devidos aos contratados por serviços já realizados, porquanto não configura hipótese de sanção prevista para a inexecução do contrato, a teor do disposto no artigo 87 da Lei nº 8.666/93 e do artigo 156 da Lei nº 14.133/21.

Dessa forma, a penalidade de retenção de pagamentos por serviços prestados, imposta pelos órgãos da Administração Pública diante da não apresentação de certidão de regularidade fiscal pelas licitantes contratadas, revela-se ilegal, caracterizando enriquecimento ilícito por parte da Administração Pública e afronta aos princípios da legalidade e da moralidade, razão pela qual tal conduta deve seguir sendo coibida pelo Judiciário.

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